Esse texto tem um contexto: foi escrito pra ser contado na Praça Ulysses Guimarães no Parque Mambucaba. As referências geográficas ficam mais claras com o texto falado do ponto citado. Também para o público alvo que conhece a localidade fica fácil compreender certas passagens do texto. Trabalho fruto de pesquisa bibliográfica e dentro do espírito da contação de histórias que é o compromisso com a imaginação e não com o factual.
Mambukabe, lugar de abelhas.
Era uma vez uma história que aconteceu a cinco anos.
Bem... Não vou contar uma história que aconteceu apenas a cinco anos, não.
Era uma vez uma história que aconteceu a cinquenta anos.
Bem... Não vou contar uma história que aconteceu a cinquenta anos anos, apesar de ser bastante tempo atrás, não.
Era uma vez uma história que aconteceu a quinhentos anos. Metade de mil anos!
Hum... esta sim parece ser uma história interessante!
Vocês gostariam de ouvir essa história tão antiga?
Essa história aconteceu aqui mesmo neste lugar onde a gente mora, estuda, trabalha, brinca, fala com Deus, onde a gente vive enfim.
Era uma vez uma história acontecida em Mambucaba no tempo em que só os primeiros habitantes dessa região moravam aqui: os índios tupinambas.
Índios tupinambas, tupinambá talvez signifique o mais antigo, nem sempre da pra saber direitinho.
Era primavera de 1511, como eu disse, quinhentos anos atrás.
Havia em Mambucaba nessa época, Mambukabe na língua dos tupinambas, que quer dizer lugar das abelhas, duas crianças indígenas.
Os nomes das crianças eram Avaré e Iraci.
Avaré, quer dizer, homem amigo.
Iraci, quer dizer, abelha rainha.
Então... Avaré e Iraci andavam por toda essa região nossa.
De um canto ao outro.
Do mar até a mata.
Do vale, essa terra retinha aqui, até os morros próximos.
O sonho deles era um dia irem até aquele pico ali. O ponto mais alto de toda essa maravilhosa região.
Numa dessas andaças Avaré e Iraci foram até aquele morro ali perto do mar, de onde se tem uma boa vista de tudo aqui.
Caminharam com alegria debaixo de um dia de muito sol. Sairam da vista de seus pais na choça, a casa onde todos moravam juntos, com mel e água de reserva.
No meio do caminho, bem no meio do vale de Mambukabe, mais ou menos onde a gente está agora, Iraci lembrou que teve um sonho onde Tupã, o Deus principal deles, mostrava uma coisa: Iraci teve um sonho ruim. Mas no sonho ela e Avaré não estavam tristes... Sonhou que dois perigos chegavam à adeia deles. Um vinha numa canoa muito grande. O outro vinha como uma fumaça.
Avaré ouviu assustado mas disse vamos logo chegar lá no morro perto do mar pra olhar se tem perigo vindo.
Ao chegarem no topo do morro apesar de cansados os dois ficaram muito contentes.
Sentaram debaixo de uma árvore e começaram a olhar o céu azulzinho com nuvens brancas que pareciam farinha, começaram a comer mel também e a tomar água.
Avaré, depois de fitar o céu, começou a olhar o mar meio verde, as ilhas, a terra molhada onde o rio encontrava o mar, olhou bem para os dois rios que atravessavam Mambukabe, estendeu o olhar para a mata e as montanhas.
Era tudo lindo, colorido, com cheiros muito bons.
Não conseguiu ver perigo.
Iraci fez o mesmo que Avaré, olhou tudo ao seu redor: viu umas baleias que chegaram pertinho da praia, viu também os pés de mandioca na beirada do rio maior se mexendo pra lá e pra cá, viu até abelhas fazendo delicioso mel pertinho da beirada do rio ao lado do morro onde estavam. Também não viu perigo nenhum.
Noutro dia fizeram o mesmo, o céu estava nublado, e noutro dia voltaram lá, nesse dia estava chovendo.Nem iriam pois os tupinambás tinham pavor de trovões e escutaram uns lá no alto da serra.
Assim que eles chegaram no topo do morro de onde tinham uma boa vista viram uma coisa muito assustadora: uma enorme canoa cheia de pessoas com a pele diferente da deles. Era diferente. Viram a canoa grande soltar uma canoa pequena que chegou até a praia. E as pessoas quando chegaram soltaram fogo das lanças, um fogo que fez muito barulho.
Avaré e Iraci começaram a chorar de medo e foram descendo pra voltar à Aldeia.
Nisso Iraci olhou mais uma vez o perigo e viu que eles só pegaram umas frutas e voltaram e já estavam indo embora.
Mesmo assim só pensavam em fugir do perigo.
Quando estavam perto de chegar à aldeia a chuva piorou e como a maré estava alta os rios mais uma vez transbordaram.
Só deu tempo de Avaré e Iraci sairem do morro que as águas dos dois rios se espalharam como fumaça molhada.
E desta vez o alagamento foi tão forte que atingiu até mesmo a aldeia dos índios tupinambas.
Essa aldeia ficava longe das margens dos rios, ficava mais no meio do vale, mas mesmo assim sofreu terrivelmente...
A aldeia foi destruída pelas águas, mas ninguém morreu não, assim que as águas chegaram rápidas mais rápidos foram os pés dos tupinambas.
Contudo a aldeia...
No dia seguinte muita tristeza, as mulheres choravam e gritavam aborrecidas.
Mas... só tinham uma coisa a fazer agora.
So tinham uma coisa a fazer agora!
Assim que as águas baixaram os índios se juntaram, pegaram nas ferramentas que tinham e foram reconstruir a aldeia de Mambukabe.
Uns foram caçar, outros foram cortar madeira, todos ajudaram: crianças levavam água e banana para os adultos construtores, umas mulheres foram fazer novas panelas, outras roupas, idosos davam bons conselhos sobre a vida e animavam os demais, o pagé, o cacique, os guerreiros. Todos juntos, cada um fazendo a sua parte.
Afinal aquela era Mambukabe, o lugar das abelhas, lugar de mel, lugar gostoso de se viver.
Avaré e Iraci, que há dias estavam presentindo a enchente, também ajudaram levando alimentos aos que trabalhavam com coragem pra começarem de novo suas vidas.
Algum tempo depois a aldeia foi reconstruída.
No dia da comemoração pela nova aldeia Avaré e Iraci perguntaram ao pajé o que seria o sonho de Iraci. O cacique estava junto e ouviu atento.
O pajé disse, não pode contar pra ninguém. Se contar não ajuda, atrapalha. Mas virá um povo diferente dos nossos inimigos que conhecemos, mais fortes que os inimigos que conhecemos. Eles vão ser perigo pra Mambukabe. Nossos inimigos trarão até fogo destruindo nossa aldeia como a água fez na lua passada. Mas mesmo assim nossos povos têm que parar com as guerras, nossos povos tem que passar a se gostar, teremos que nos unir contra esse inimigo forte, o perigo é grande. Não pode contar pra ninguém, se contar não vai ajudar em nada só atrapalhar.
Ao ouvirem isso Avaré e Iraci sentiram medo, preocupação, desânimo mas junto disso sentiram também uma força dentro do peito como se eles tivessem que ajudar Mambukabe a se unir a Takari e às outras tribos tupinambás e tribos de outros povos.
Nisso o pagé pegou um favo de mel e disse: vejam como as abelhas trabalham pela vida delas todas juntas, trabalham bastante unidas e a vida delas é muito boa apesar dos perigos.
Avaré e Iraci vão ajudar Mambukabe a ser unida dentro dela e a ser unida com as outras tribos tupinambás e tribos de outros povos?
Sim disse Avaré. Sim disse Iraci.
E nossos heróis sairam juntos da choça e foram olhar de perto como trabalham as abelhas.
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